Crianças e adolescentes vítimas de bullying encontram na escola o ambiente mais hostil, onde a prática desse tipo de violência é reforçada. A conclusão é de um estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) divulgado no início do mês que, além do bullying, avaliou também os prejuízos que as brigas corporais exercem sobre a educação de 150 milhões de adolescentes com idades entre 13 e 15 anos em todo o mundo.
O relatório An Everyday Lesson: #ENDviolence in Schools, que em uma tradução livre para o português significa Uma lição diária: Pelo fim da violência nas escolas, afirma que a violência entre colegas ocupa um papel dominante na educação de jovens em todo o mundo. A agressão sofrida no ambiente escolar, física ou psicológica, tem impacto na aprendizagem e no bem-estar dos estudantes, independentemente de residirem em países pobres ou ricos.
No documento, foi identificada uma grande variedade de formas de violência enfrentadas pelos estudantes dentro ou no entorno da sala de aula. Um em cada três alunos de 13 a 15 anos de idade é vítima de bullying e a mesma proporção tem histórico de agressões físicas. Em uma avaliação sobre o comportamento dos alunos em 39 países industrializados, 30% admitiram ter praticado bullying contra colegas.
Embora o risco de sofrer bullying seja o mesmo tanto para meninos quanto para meninas, as meninas são mais propensas a sofrer violência psicológica e, entre os meninos, é maior o risco da violência física e ameaças.
Além da violência entre colegas, estudantes de várias partes do mundo ainda são obrigados a conviver com a violência institucionalizada, apontou o Unicef. Um dado impressionante revelado pelo estudo é que quase 720 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar vivem em países onde o castigo corporal na escola não é totalmente proibido.
“A educação é a chave para construir sociedades pacíficas e, no entanto, para milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo, a própria escola não é segura”, avaliou a diretora executiva do Unicef, Henrietta Fore, em nota encaminhada pela entidade à imprensa. “Todos os dias, os estudantes enfrentam vários perigos, incluindo brigas, pressão para participar de gangues, bullying – presencialmente e on-line -, disciplina violenta, assédio sexual e violência armada. Em curto prazo, isso afeta seu aprendizado e, em longo prazo, pode levar à depressão, à ansiedade e até ao suicídio. A violência é uma lição inesquecível que nenhuma criança precisa aprender.”
O Unicef não apresenta números sobre os adolescentes brasileiros, mas com base em estudos realizados anteriormente no País, a entidade afirma que a violência dentro e no entorno das escolas também impacta meninas e meninos no Brasil. Segundo a Pense (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar), feita em 2015 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com alunos do nono ano, 14,8% dos estudantes declararam ter deixado de ir à escola, pelo menos um dia, nos 30 dias anteriores à pesquisa, por não se sentir seguros no trajeto entre a casa e a instituição de ensino.
Sobre a prática de bullying, 7,4% dos estudantes entrevistados disseram ter sido vítima desse tipo de violência na maior parte do tempo ou todo o tempo nos 30 dias que antecederam a pesquisa e, no mesmo período, 19,8% admitiram ter praticado bullying.
Em relação a brigas e lutas físicas, 23,4% responderam ter passado por essa situação pelo menos uma vez nos 12 meses anteriores à pesquisa, e 12,3% disseram ter sido seriamente feridos pelo menos uma vez no mesmo intervalo de tempo. Entre os estudantes que se envolveram em agressões físicas, 5,7% revelaram que alguém usou arma de fogo e 7,9% relataram o uso de arma branca. O percentual é maior entre meninos (10,6%) do que entre meninas (5,4%) e também entre estudantes da rede pública, com um índice de 8,4% ante 5,3% da rede particular.
“O bullying não necessariamente é físico, ele pode ser psicológico. Não precisa ser nem uma palavra. Pode ser um jeito de olhar, um jeito de rir, isso tudo influencia e prejudica a criança como se ela estivesse apanhando porque é uma agressão psicológica”, ressaltou a advogada do Neddij (Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude) da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Miriã Pietraroia Carvalho Pinto.
Psicóloga do Neddij, Rafaela Grumadas Machado lembra que as agressões nem sempre deixam marcas visíveis, mas muitas vezes causam danos psicológicos, como a diminuição da autoestima, isolamento, alterações no apetite, no humor e no sono. “Hoje em dia, a tecnologia e a internet entraram muito na nossa vida, tem o cyberbullying, então o bullying não vai ser só no contexto físico da escola. As crianças e os adolescentes estão muito expostos a isso e sem ferramentas para conseguir lidar com a situação.”
PREVENÇÃO
Machado aponta que a escola precisa desenvolver um trabalho de prevenção e combate a essas práticas e que é importante que a instituição de ensino tenha políticas e projetos nesse sentido. “Crianças e adolescentes não têm preparo para lidar com isso. Por isso, é importante que possam contar com algum professor, com a direção da escola, com algum adulto para poder mediar essa situação”, sugere.
A família também tem papel importante no acolhimento e detecção dos sinais de que algo não vai bem, mas dependendo do contexto socioeconômico e emocional em que a criança ou adolescente está inserido, há que se considerar que nem sempre a estrutura familiar favorece esse acompanhamento.
Pietraroia alerta que as agressões psicológicas podem gerar transtornos e motivar a prática criminosa. “A gente vê as crianças devolvendo essa agressividade cada vez mais cedo. A criança é acostumada a apontar o dedo, a dar risada, é um comportamento precoce de preconceito e de agressão psicológica com o outro”, alerta. “O ser humano tem a necessidade de ser aceito e ser reconhecido minimamente. Claro que não dá para ser aceito sempre, mas também se é sempre deixado de lado ou tem os defeitos apontados, isso desencadeia reações, sentimentos e emoções que podem, sim, vir a ser transtornos”, comenta a psicóloga.
Sofrer qualquer tipo de agressão na fase de formação do caráter e da personalidade pode significar um peso a ser carregado pelo resto da vida. “Na questão da esfera penal, inclusive, temos aqui no Neddij o setor de atos infracionais e a gente identifica muito isso. As crianças que hoje estão cometendo atos infracionais foram violentadas dos mais diferentes jeitos a vida toda, se acostumaram com a vida desregrada e, às vezes, até reagem para chamar atenção”, analisa a advogada.
Fonte: folhadelondrina