Se fossem habitantes de uma cidade, crianças e adolescentes brasileiros com alguma precariedade -seja financeira ou no acesso a direitos como educação e moradia -formariam quase três São Paulo inteiras.
Isto corresponde a cerca de 32,7 milhões de pessoas com até 17 anos expostas a vulnerabilidades, ou seis em cada dez crianças no país. Em relatório divulgado nesta terça-feira (14), o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) adota um critério inédito no tratamento à pobreza entre crianças brasileiras: inclui não somente indicadores de renda per capita, mas também o cumprimento de direitos fundamentais garantidos na lei.
O relatório tem como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015.
O Unicef alerta: além de considerar nuances como a influência da raça e da região do país, o desenho de políticas públicas para lidar com a pobreza na infância deve considerar também a assistência a mães, pais e responsáveis delas.
O QUE DIZ O RELATÓRIO
Considerando a lei, o estudo mapeou onde o Brasil está falhando em garantir os direitos de crianças e adolescentes. Somando tanto privações consideradas “intermediárias” e “extremas”, é o saneamento (com indicadores como a presença de banheiros e rede coletora de esgoto) que prejudica o maior número de crianças e adolescentes (13,3 milhões), seguido por educação (8,8 milhões) e água (7,6 milhões).
O maior problema está no descarte dos resíduos humanos, uma vez que 22% dos menores de 18 anos vivem em casas com fossas rudimentares ou ao lado de valões. O quadro geral mais grave está no Norte e Nordeste do país, em que 44,6% e 39,4%, respectivamente, dos pequenos têm ao menos uma privação no que diz respeito ao saneamento.
Entre meninos e meninas negras, ‘taxa de privação de direitos’ supera média nacional e passa dos 50%.
O próprio saneamento reflete diferenças observadas em outros quesitos: entre crianças e adolescentes privados de saneamento, 70% são negros.
Considerando todas as categorias de privações envolvidas no estudo, meninos e meninas negras têm uma “taxa de privação de direitos” de 58%, versus 38% dos brancos (no Brasil, a taxa é de 49,7%).
No que diz respeito às privações extremas -ou seja, em que não há acesso algum ao direito em questão-, a desigualdade entre negros e brancos é intensificada: atinge 23,6% dos negros e 12,8% dos brancos com menos de 18 anos.
No quesito educação, por exemplo, há 545 mil meninos e meninas negras de 8 a 17 anos analfabetos, versus 207 mil brancos. Em geral, crianças e adolescentes que moram em áreas rurais têm mais direitos negados que os das zonas urbanas; e moradores das regiões Norte e Nordeste encaram mais privações que aquelas do Sul e Sudeste.
Mas há exceções: no quesito moradia (número adequado de pessoas por dormitório, materiais apropriados nos tetos e paredes e etc.), o Norte está na lanterna, seguido do Sudeste e Nordeste.
Enquanto isso, o percentual de meninos e meninas que têm seus direitos violados é o dobro no campo (87,5%) em comparação com as cidades (41,6%).
ENTRE A ESCOLA E O TRABALHO: ANTIGOS DESAFIOS
Um quinto dos brasileiros de 4 a 17 anos de idade tem o direito à educação violado -isto considerando privações intermediárias, como atraso escolar ou analfabetismo após os 7 anos, e privações extremas, como crianças que simplesmente não estão na escola.
Enquanto isso, 6,2% das crianças e adolescentes do país exercem trabalho infantil doméstico ou remunerado. Isto, inclusive, quando este tipo de atividade é ilegal, como na faixa de 5 a 9 anos (3%, ou 425 mil meninos e meninas neste segmento trabalham) e de 10 a 13 anos (7,4%).
A carga de trabalho é maior para as meninas, com exceção do trabalho remunerado entre adolescentes -este maior entre os garotos. Ser negro ou morar no Norte ou Nordeste implica em uma incidência mais alta do trabalho infantil.
Fonte: icururupu