A decisão do TST sobre assédio sexual baseado no depoimento da vítima: análise crítica, garantias processuais e reflexões para a advocacia criminal e trabalhista
A decisão se apoia em premissas consolidadas no universo das relações de trabalho: a assimetria de poder entre empregador e empregado, a vulnerabilidade estrutural do subordinado e a necessidade de proteção reforçada frente a situações de constrangimento e violência institucional. Do ponto de vista humanista, trata-se de premissa inatacável. Do ponto de vista jurídico, contudo, acende-se um debate necessário, técnico e sério: até que ponto a palavra da vítima, de forma isolada, pode fundamentar uma condenação?
Essa pergunta não busca relativizar sofrimentos reais nem deslegitimar denúncias verdadeiras. Busca, sim, preservar um princípio civilizatório que estrutura o Estado de Direito: ninguém pode ser condenado sem provas suficientes, produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
A proteção a vítimas e a proteção a inocentes não são ideais opostos. São pilares que coexistem.
Este artigo examina a decisão sob quatro eixos principais:
- O contexto jurídico da prova em crimes e ilícitos de natureza sexual e moral.
- A importância da palavra da vítima — e seus limites.
- A necessidade de um sistema probatório que proteja sem destruir inocentes.
- As implicações da decisão para a advocacia trabalhista e criminal.
Vamos ao exame técnico.
A palavra da vítima no processo: relevância inegável, mas não absoluta
No campo dos crimes sexuais, tanto no Direito Penal quanto no Direito Trabalhista, há uma realidade processual que não pode ser ignorada: muitas vezes, o abuso ocorre na intimidade, longe de testemunhas, sem registros formais e sem meios materiais imediatos de prova.
Nesses contextos, a palavra da vítima assume especial importância. Isso é fato.
Entretanto, especial importância não é sinônimo de valor absoluto. E é precisamente aí que mora o risco. O Direito não pode operar na lógica de que “se houve denúncia, houve verdade”. Caso contrário, passamos do campo jurídico para o campo da fé subjetiva — e justiça não é profissão de fé, é profissão de prova.
A decisão do TST reforça o entendimento de que a palavra da vítima, quando coerente, firme e corroborada por indícios, pode fundamentar condenação. Isso não é novidade. A diferença é que, nesta análise pública, o texto enfatiza seu protagonismo probatório ao ponto de gerar dúvida sobre o equilíbrio das garantias processuais.
Um ordenamento que protege vítimas mas pune inocentes não é justo.
Um ordenamento que desampara vítimas também não é justo.
A verdadeira justiça está no centro: firme com culpados, protetiva com vítimas, prudente com os fatos e leal à Constituição.
Assimetria de poder, contexto social e riscos jurídicos
Dentro das relações trabalhistas, existe sim assimetria de poder. Há sim casos gravíssimos de assédio. Há sim vítimas que sofrem caladas. E há sim empregadores que utilizam seu cargo para abusar, humilhar e destruir psicologicamente subordinados. Isso é uma chaga que precisa ser combatida com firmeza.
Mas verdade também precisa ser dita: existem falsas acusações.
Nem toda denúncia é fruto de dor real. Algumas nascem do ressentimento, de disputas internas, de retaliações emocionais, de conflitos funcionais, de expectativas frustradas, de rupturas pessoais, ou até mesmo de estratégias oportunistas. Isso não desmerece vítimas autênticas — apenas reforça a necessidade de prudência institucional.
Um Judiciário sério precisa desenvolver sensibilidade técnica para diferenciar sofrimento real de manipulação narrativa.
A vítima deve ser acolhida e ouvida.
O acusado deve ser ouvido e defendido.
E a prova deve ser produzida com rigor racional, não com emoção midiática.
O perigo da justiça emocional e o papel do devido processo
A história do Direito Penal moderno nasce exatamente para conter o impulso social de punir por instinto. O progresso jurídico começa quando a civilização decide que ninguém será condenado por clamor, suspeita ou presunção.
A Constituição Federal, o Código de Processo Penal, a CLT e a hermenêutica garantista existem para evitar injustiças. Justiça emocional é inimiga da segurança jurídica. Justiça só é justiça quando:
- a prova é consistente
- o contraditório é observado
- a defesa é plena
- o juiz é técnico
- a sentença é fundamentada
- a Constituição está acima da opinião pública
A narrativa da vítima não é descartável. Pelo contrário — é valiosa. Mas seu valor não pode ser absoluto. Em casos de condenação com base predominante na palavra da parte, o Judiciário deve se cercar de cuidado redobrado, fundamentação reforçada e exame minucioso de coerência interna, contexto, cronologia e plausibilidade material.
Sem isso, abre-se espaço para arbitrariedades revestidas de boas intenções.
E uma injustiça cometida em nome de uma causa nobre continua sendo injustiça.
Prova indiciária, contexto e técnica: onde está o equilíbrio?
O TST, ao reforçar o valor do depoimento da vítima, seguiu linha jurisprudencial crescente. Mas é crucial que o sistema não trate essa prova como automática ou dotada de presunção de veracidade absoluta. A prova testemunhal, sobretudo em matérias subjetivas, exige:
- análise psicológica do contexto
- verificação de coerência narrativa
- ausência de contradições relevantes
- compatibilidade temporal e fática
- análise de comportamento pós-fato
- exame crítico de eventual motivação secundária
Isso não enfraquece vítima. Isso fortalece verdade.
A verdade não teme escrutínio.
O dever institucional do advogado criminalista e trabalhista
Advogar nessa área exige maturidade intelectual e emocional. Não basta conhecer lei — é preciso compreender natureza humana, psicologia do trauma, memória, sugestibilidade, dinâmica de poder, falsos positivos e falsos negativos probatórios.
O advogado sério:
- protege vítimas verdadeiras
- protege inocentes injustamente acusados
- repele condenações midiáticas
- defende contraditório e ampla defesa
- exige técnica probatória e racionalidade
Justiça não se faz por aplauso. Justiça se faz por método.
E método é Constituição.
O papel do advogado criminalista: técnica, firmeza e serenidade
O advogado criminalista que atua nesses casos — seja defendendo vítimas verdadeiras ou inocentes injustamente acusados — precisa ter:
- frieza técnica
- profundo conhecimento probatório
- domínio de psicologia do depoimento
- firmeza argumentativa
- preparo emocional
- coragem institucional
- tradição jurídica e defesa inabalável da Constituição
Aqui não há espaço para amadorismo, achismo ou teatralização midiática.
O criminalista sério não julga pela manchete, não se impressiona com narrativas e não se curva ao clamor social.
O criminalista garante o rito, protege direitos e exige que cada prova seja examinada com rigor.
Em casos de falsa acusação, o advogado se torna ainda mais necessário: é ele quem recolhe provas, demonstra versões, reconstrói cronologias, requer perícias, impugna narrativas fantasiosas e faz valer o princípio da verdade real.
O combate à violência sexual é uma obrigação moral do Estado e da sociedade. Mas a defesa das garantias individuais, do contraditório e da presunção de inocência também é. O verdadeiro jurista não escolhe uma causa e abandona a outra. Ele protege ambas, porque entende que justiça não pode ser seletiva, nem emotiva, nem reativa. Em um país que amadurece juridicamente, tanto o agressor deve temer o sistema quanto o caluniador deve temer o sistema. E ambos devem respeitá-lo. O Direito Penal não serve para consolar.
Serve para proteger com equilíbrio. Quem acusa com verdade precisa de proteção e justiça.
Quem é acusado injustamente precisa de proteção e justiça. A balança não se inclina por simpatia. Se inclina pela lei.
Logo, é essencial a presença de um Advogado Especialista em Crimes Sexuais para tratar essas acusações com seriedade e ajudar a provar a inocencia dos acusados.


