Para sempre indispensáveis
Será que, com o avanço da tecnologia, os livros tornar-se-ão dispensáveis ou, numa hipótese pessimista, proibidos, ou desconfigurados a tal ponto de ficarem irreconhecíveis? Essa é a temática de Fahrenheit 451, filmado originalmente por François Truffaut, em 1966, a partir da obra homônima de Ray Bradbury, que retrata uma sociedade na qual as pessoas são proibidas de ler. Se alguém fosse pego com algum livro, imediatamente os bombeiros diriam: “explique-se”, e – homens que queimam livros – seriam chamados para entrar em ação. O protagonista é um desses bombeiros que começa a ter a vida transformada quando passa a ler e conhece outros,na mesma condição, na chamada terra dos homens-livro.
Recordo o livro e o filme a propósito do dia 12 de março, quando se comemora o dia do bibliotecário, profissional cuja atuação foi, por muito tempo, restrita a cuidar do acervo de uma biblioteca, mas que, com o passar do tempo, se expandiu e firmou sua importância na sistematização do conhecimento, na disseminação da informação e na propagação dacultura. Durante um longo tempo, desde Alexandria, gerenciar uma biblioteca, dar-lhe organização e torná-laacessível, como um instrumento de pesquisa e conhecimento, foi, basicamente, limitado atocar em livros físicos.Na antiguidade, rolos de papiro ou pergaminho, depoispapel.
Mas, a cada mudança, com a tecnologia própria da época, o bibliotecário foi ganhando maissofisticação e sua expertise tem se tornado cada vez mais importante e necessária. A essência do trabalho permaneceu basicamente a mesma, até que entramos na era de um mundo virtual, inclusive para os livros. Um único aparelho, como o Kindle, pode armazenar milhares de obras. Literalmente, uma biblioteca num dispositivo que cabe na palma da mão.
Todos os incríveis avanços que a tecnologia nos proporcionou nos últimos vinte anos, a que assistimos pasmados, causou imenso impacto em muitas áreas, e, com os profissionais da Biblioteconomia, não foi diferente. Mudou o suporte, sim. Mas, mesmo assim, os livros continuam sendo livros que precisam, nesse ambiente virtual, de ferramentas também virtuaisde organização e gerenciamento. Assim do livro feito à mão, página a página, aos livros feitosde bits, sua essência ainda se mantém.É o desafio da Biblioteconomia que precisa avançar com as novas tecnologias,sem perder de vista a história do livro marcante tanto para sua confecção, quanto para o conhecimento neles produzido e arquivado.
Mas aqueles que aderem a esta senda, se, de um lado,são desafiados, de outro possuem uma dádiva: a de conviver com opassado feito do que foi escrito e registrado, parte do que aconteceu – em sintoniacom o presente e com a projeção para o futuro, na construção de uma nova teoria, na ampliaçãode um saber, na expansão de mentes e de possibilidades.
Lembro, a propósito, do instigante filme “O doador de memórias”, cujo personagem, um homem sozinho, éencarregado do pesado fardo de armazenar todos os registros de uma sociedade. Baseado num livro chamado “O doador”, a obra adaptada para o cinema mais uma vez trata da ideia do controle, que gera a falsa sensação de que um lugar controlado é imune a problemas. O que parece ser um dom é, na verdade, um fardo. Afinal, o conhecimento adquirido existe para ser disseminado, transferido e inculcado.
E se hoje vivemos numa era em que a informação trafega à velocidade da luz, precisamos mais do que nunca de homens e mulheres que, com a técnica adequada, saibam nos aceder a mundos desconhecidos, capazes de mudar o que nós conhecemos e até a nós mesmos. Aos bibliotecários e bibliotecárias que escolheram abraçar essa nobre missão, nosso grato reconhecimento. Os livros são livros em qualquer era, em qualquer lugar, em qualquer suporte. E sempre serão indispensáveis: o livro, a biblioteca e o bibliotecário.
Natalino Salgado Filho
Médico, doutor em
Nefrologia, Reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA