Inspirado no título da obra Admirável Mundo Novo, que Aldous Huxley escreveu em 1931, inicio esta crônica pensando sobre aquela sociedade em que dois grupos disputam espaço. Pergunto: passadas duas décadas do século XXI, qual mundo emergirá deste cenário de pandemia em que vivemos? Quais interesses prevalecerão da disputa por espaço e protagonismo? Em que se sustentarão nossos esforços, investimentos e nossa atenção?
Esta semana, em lúcido artigo publicado no site Migalhas, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso destacou que, quando tudo passar, deveremos construir um “novo normal”. Ele reconhece o que parece bastante claro para todos: teremos um tempo difícil na economia mundial, e o que era apenas o início da mínima organização de nossa economia, para um ciclo com algum investimento e crescimento, torna-se recessão. No entanto adverte: a situação não deve ser vista apenas pelo viés negativo.
Faço coro ao ministro do STF, ao entender que nossos recursos — diminuídos — precisarão ser investidos onde for, de fato, necessário. Porque investimos, cronicamente, muito pouco em inovação e tecnologia. Quando produzimos algo, fizemo-lo heroicamente, devido à inacreditável burocracia e aos limitados recursos, aliados a um planejamento que não prioriza o essencial, o inadiável. Destaco que, nas últimas semanas, de forma heroica, a Fiocruz anunciou que produzirá um milhão de testes para a Covid-19.
Mas, para os desafios deste novo mundo que se nos aguarda, precisaremos não só de pessoas à altura, mas também de muito mais recursos para a educação, em todos os níveis, para ampliarmos a produção em ciência de ponta. No New Egland Journal of Medicine, o professor Harvey Fineberg, ex-reitor da Escola de Saúde Pública de Harvard e presidente da ANM dos Estados Unidos, estabelece seis passos para a derrota da Covid-19. Entre esses, a valorização da ciência.
Todos os países que deram saltos tecnológicos investiram, durante décadas, em educação, pesquisa e extensão. Foram inteligentes em fazer suas escolhas, ou como ativo de recursos naturais, ou no que o mundo acadêmico tinha como maior potencial competitivo. Eis um exemplo recente: poucos anos depois da epidemia de SARS, em 2002, um laboratório americano, em Houston, esteve com a vacina praticamente finalizada. Mas a epidemia havia acabado, e o Instituto Nacional de Saúde americano deixou de financiar a pesquisa. Detalhe: o Coronavírus, causador da SARS, é primo do SARS-Cov-2.
Com isso, o mundo perdeu muita informação e técnica, o que diminuiria, enormemente, o tempo para uma nova vacina. Aprenderemos agora ou no curso dos próximos eventos? Seremos sábios o bastante para percebermos que a Pandemia é um chamado à reflexão? Esta situação, que a todos nós nivela e irmana, atualiza A peste, de Albert Camus, Nobel de Literatura, muito citada nas últimas semanas. Camus descreve um cenário que muito se assemelha ao que vivemos atualmente e que muito pode nos ensinar, se tivermos ouvidos para ouvir. O cenário é muito familiar, sem “destinos individuais”, mas com “uma história coletiva” de peste, separação, exílio, medo e revolta.
Vamos às lições que vislumbro para a educação: precisamos de um grande debate sobre nossa fragilidade educacional, conforme as evidências e os dados existentes, visto que mais da metade de nossa população tem baixa qualificação. Isso a expõe à situação de vulnerabilidade e risco. Como disse o pensador Yuval Noah Harari, não estamos como na época da Peste Negra, na Idade Média, quando não se sabia sequer o que estava acontecendo. Hoje temos informações científicas, graças a Deus.
Porém precisamos ser sábios sobre onde investir para criar soluções e bem escolher. Nessas condições, seremos um mundo melhor, menos vulnerável e mais solidário, com homens e mulheres comprometidos com o bem e com a vida, acima dos interesses políticos e econômicos. Apesar das perplexidades, poderemos compartilhar as lições da Pandemia. Será um mundo novo. Admirável, se nele estivermos renascidos para o enfrentamento, em conjunto, dos próximos desafios, com pés firmes e passos convergentes.
Natalino Salgado – Reitor da UFMA