A Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu na segunda-feira (16) sobre os riscos de aumento da miséria e da informalidade em decorrência da aprovação da reforma da Previdência. A audiência pública reuniu representantes de entidades de assistência social no campo e nas áreas urbanas.
Ao abrir o debate, o presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), afirmou que a maioria dos senadores e deputados sequer conhece o texto da reforma, tida por ele como “a mais cruel de todos os tempos”. A proposta do Executivo (PEC 6/2019) já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está em análise no Senado. O primeiro turno de votação no Plenário do Senado está previsto para 24 de setembro.
Paim citou preocupações pontuais, como a aposentaria por invalidez, que atualmente é paga levando em conta a integralidade do salário. Ele disse que, a partir da promulgação dessa reforma, quem tiver um problema grave e não puder mais trabalhar vai se aposentar com a metade do salário.
— Isso vai gerar miséria — criticou.
O senador lembrou as aposentadorias especiais, como o caso dos trabalhadores das minas de carvão, que a partir da reforma terão uma idade mínima vinculada ao tempo de contribuição (hoje em dia só o tempo é considerado para fins de aposentadoria). A situação de metalúrgicos, professores e vigilantes também foi destacada pelo senador.
— Essa reforma prejudica gerações do passado, do presente e do futuro. Retira de quem está ganhando no trabalho formal e não resolve nada para aqueles que nem têm chance de um emprego formal.
Fraternidade
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que participou do debate, afirmou que a reforma da Previdência, da maneira como proposta e aprovada na Câmara, será “uma violência contra aqueles que ganham menos, a camada mais pobre da sociedade brasileira”. Na avaliação dele, as medidas vão contra os ideais de fraternidade.
— Minhas digitais não estarão nessa proposta, diante da minha consciência de que 459 municípios brasileiros estão em extrema pobreza, 70 milhões de brasileiros estão na pobreza ou extrema pobreza e há 22 milhões de brasileiros desempregados ou subutilizados.
Contarato fez um discurso firme de oposição ao governo Bolsonaro. Acusou o presidente de disseminar ódio, “quando deveria estar sendo instrumento de pacificação social”.
O senador não foi o único a falar de fraternidade. Marcela Gonçalves, assessora da Cáritas, ONG de assistência social ligada à Igreja Católica, leu trecho de uma carta do papa Francisco na qual ele chama à responsabilidade os cristãos quanto à assistência aos desempregados e suas famílias. O texto também destaca a importância do trabalho feminino, das garantias para a velhice e do direito à aposentadoria.
— Estamos observando o aumento da informalidade, com a perda dos empregos. Há uma minoria barulhenta, que já percebeu o aumento da miséria. Mas uma maioria ainda está silenciosa, em letargia — disse Marcela.
Papel da mídia
Vários participantes reclamaram da falta de conhecimento da população sobre o texto da reforma. Representante da organização Intervozes Coletivo Brasil, que trabalha pelo direito à comunicação, Maria Mello levou à CDH um levantamento recente sobre o posicionamento da mídia e de especialistas consultados pelos meios de comunicação sobre a reforma da Previdência.
De acordo com os dados, nos três jornais avaliados (Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo), 64% dos especialistas consultados eram favoráveis à reforma, muitos deles ligados a consultorias empresariais. Cerca de 8% foram parcialmente favoráveis e 19% se colocaram contrários ao projeto.
— É notável a pouca pluralidade das vozes. Os jornais se repetem recorrendo aos mesmos especialistas, sendo que 88% eram homens e 12%, mulheres.
Nas emissoras de TV, representantes do governo foram maioria, segundo ela.
— Faltou pluralidade na cobertura, faltou dar voz a setores que importavam ser ouvidos — avaliou a jornalista.
Pobreza
A audiência teve representantes de trabalhadores de baixa renda, como catadores de recicláveis, agricultores familiares e membros de cooperativa de economia solidária. Na opinião deles, a atual crise de empregos, associada a uma Previdência que muitas vezes não chegará ao salário mínimo, deve criar uma classe de novos miseráveis.
Representante de associação de catadores de materiais recicláveis, Ronei Silva usou seu próprio exemplo para demonstrar como não há Previdência sem assistência ao final da vida. Ele disse que sempre usou sua força para o trabalho, carregando sacos de cimento nas costas e outros materiais, pois era carroceiro nas ruas de Brasília.
— Eu não vou conseguir me aposentar nunca, mas estou perdendo as minhas forças e, com três hérnias de disco, não consigo pegar o que antes conseguia.
Na visão dele, a cada dia que passa as pessoas estão mais pobres e a comida está ficando escassa para uma população que já vivia dos restos de lixo.
Pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Francisco Urbano Araújo Filho criticou a retirada de direitos que estaria vindo desde a reforma trabalhista. Ele criticou especialmente a possibilidade de, num acordo entre o empregado e o empregador, a multa por demissão sem justa causa não ser paga.
— O Estado está abrindo mão do recurso do FGTS e o patrão está se apropriando do bem do empregado.
O representante do Fórum de Economia Solidária do DF e entorno, Marcelo Inácio de Sousa, reclamou da falta de um projeto de Estado que mostre não só como o trabalhador pagará a nova Previdência, mas como o dinheiro que será economizado será empregado em melhorias para a população.
— Eles dizem que vão economizar R$ 1 trilhão em dez anos. Ora, esse foi o dinheiro pago no ano passado com juros e amortização da dívida.
Sousa afirmou que, na verdade, o problema do país está na arrecadação, por causa da economia que não cresce, não gera renda, tem alto desemprego.
— Não temos um problema de Previdência. Isso é um truque de ilusionismo. Dizem que uma mudança na Previdência é inevitável. Esse discurso não é novo, Margaret Thatcher fez a mesma coisa na Inglaterra. Perguntem aos chilenos o que foi a reforma lá.
Fonte: Agência Senado